Você já deve ter cruzado com pessoas que gostam de exibir-se culturalmente, despejando seu “verniz cultural” até nas rodas informais de amigos.Despreza os mais elementares conceitos da boa comunicação,que recomenda alinhar as mensagens aos receptores, nos contextos em que o processo da comunicação acontece.
Sei de um cara que se julgava “o cara”. Procurava monopolizar as conversas em torno dos temas que ele selecionava para exibir “conhecimentos de almanaque” ( hoje traduzidos por “conhecimentos de redes sociais”). Falava superficialmente de tudo, tinha opinião formada sobre tudo, embora nunca lera um livro nem se debruçara sobre notícias de jornal ,indo a fundo nas análises das conjunturas econômicas,sociais ou culturais .No máximo se informava por vezes por meio do breve noticiário das tevês.
Sobre ele me contaram ( e quem me contou jura de pé junto que foi verdade) que certa vez o dito cujo conheceu uma garota no cursinho preparatório para Direito ,tendo conseguido algum sucesso na tentativa de iniciar um namoro, ou, se quiserem,oficializar o crush . A moça,ainda entusiasmada com o papo do rapaz, convidou-o para conhecer seus pais, família bem de vida , residente em bairro nobre de São Paulo. Acontece que o jovem acabara de ter uma aula sobre “Figuras de Linguagem” e viu no conhecimento sobre “estilística” uma grande oportunidade de demonstrar sua “cultura”.
Dirigiu-se à casa da moça, certo de que conquistaria a filha encantando os pais com sua conversa em “alto nível”. Ao chegar, o pai cortesmente lhe disse:
-Entre que a casa é sua!
O cara não perdeu tempo:
-Considerando não se tratar de “ironia” de sua parte ,mas de carinhosa “hipérbole”, claro que vou entrar.
Acomodado em uma poltrona,ouviu da mãe:
-Aceita beber uma taça de vinho?
Sentiu que o dia estava para ele:
-Bebo só o vinho…embora seja válida e usual a “metonímia” ! ( pilheriou)
O pai ainda tentou quebrar o gelo:
– Você tem a fisionomia séria, mas gênio muito alegre ,hein!?”
O rapaz emendou de pronto:
-“Antítese” de sua parte, meu senhor!
Depois de meia hora de conversa, a situação era essa: a garota desapontada e arrependida de trazê-lo em casa; o pai , impaciente, a ponto de explodir, e a mãe saindo da sala a toda hora desconfortada com aquela verborragia .O cara , sem ligar o “desconfiômetro” , continuava despejando metáforas , anacolutos ,silepses e prosopopeias, como se estivesse impressionando a todos.
A desencantada moça,tentando pôr fim à infeliz visita, saiu com essa:
– Não tinha você que arrumar malas para embarcar amanhã no trem das cinco?
O moço eufórico e persistente não vacilou e lascou essa resposta:
-Houve “inversão” de sua parte…
-Como?- retruca a moça-você não vai mais viajar?
-Sim,vou.A “inversão” a que me refiro se deu pela colocação do sujeito após o verbo na sua pergunta, “inversão” essa seguida por interessante “catacrese”,diga-se de passagem.
A essa altura ninguém mais aguentava, e a polidez de quem recebe pela primeira vez uma visita deu lugar à franqueza rude. O pai perdeu a linha:
-O senhor conhece “o rei dos chatos”?
O rapaz ,sem perder o rebolado:
-Deixe de “perífrase”,meu senhor!A quem se refere com essa também conhecida “antonomásia”?
A filha,irritadíssima:
-Você que viva a vida com suas figuras de linguagem!
-Rico “pleonasmo” de sua parte! – rebateu ele já querendo ironizar ante o fracasso anunciado de sua conquista.
Dizem que o rapaz foi embora,decepcionado não com ele mesmo mas com a “família inculta”,incapaz de entrar no papo por desconhecimento das “figuras de linguagem”.E ainda, na rua ,lamentou não ter a chance de usar o “eufemismo”,que perambulava na ponta de sua língua (epa…desculpe a “prosopopeia”!!!).